O amor pede passagem
Falar de amor é sempre algo muito complexo. Muitos de nós não entendemos ao certo o que significa amar. Desde muito tempo, os filósofos já vêm trabalhando a questão do amor, no qual, até os dias atuais, vêm sendo estudados pela Filosofia, pela Psicologia, pela Psicanálise e outras ciências que se ocupam de estudar fenômenos tão complexos e densos na teoria.
Quando falamos de Psicanálise, o amor (libido – energia psíquica que é investida a outro objeto – em termos psicanalíticos) é a força pulsional que move o ser humano. Um termo bastante utilizado, que deriva do amor é a transferência, algo essencial na relação terapeuta-paciente. A transferência, nas palavras de Brito & Besset (2008 citado por Schlösser, Dalfovo & Delvan, 2012, p. 568)
“[…] é peça fundamental para que o processo terapêutico psicanalítico possa acontecer. Ele unifica o laço entre o paciente e o analista, que, por meio da potência do amor, explora o inconsciente do primeiro, dando possibilidade de o tratamento acontecer.”
Nos diálogos entre Freud e Fromm, ambos têm uma concepção diferente do que é amor. O amor nas obras freudianas foi utilizado de diversas formas, de acordo com a situação em que se encontrava. Freud discorre sobre Eros (pulsão de vida) e Thanatos (pulsão de morte) para explicar sobre as relações humanas. No linguajar popular, tal concepção, se compara a amor e ódio. (Schlösser, Dalfovo & Delvan, 2012, p. 569). Segundo Freud (1988 citado por Schlösser, Dalfovo & Delvan, 2012, p. 569) “[…] é por meio do amor entre dois seres humanos que Eros revela o seu intuito que é, de mais de um, fazer um único, ou seja, sua força para unificar.”
Complementando as reflexões sobre Eros e Thanatos, Dócolas nos dá uma importante contribuição:
“Eros, então, para a psicanálise, é figura metafórica das pulsões de vida e circula em nós com o objetivo de defender e cumprir a vida, opondo-se aos efeitos devastadores das pulsões de morte. Eros também nos lembra, incessantemente, que não temos só ‘fome de comida’, temos também, e como temos, ‘fome de amor’.”
Já Fromm concebe o amor de maneira diferente da concebida por Freud.
“Para ele a palavra ‘amor’ não deve ser utilizada para qualquer tipo de união pessoal. Considerando-se que a união pode ser obtida de diversos modos, essa palavra deve ser reservada somente para um tipo específico de união: a união madura que existe sob condição da preservação da integridade própria, ou seja, a união com a preservação da individualidade de ambos os amantes.” (Schlösser, Dalfovo & Delvan, 2012, p. 569)
Para além do que Freud propôs, Fromm considera o amor com alguns elementos essenciais: “[…] cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento, e apenas com essas qualidades o amor pode ser considerado maduro.” (Schlösser, Dalfovo & Delvan, 2012, p. 570).
Indo além do que às teorias psicanalíticas nos oferecem, o amor é um assunto recorrente em nosso quotidiano. Além do mais, é um assunto recorrente dentro da prática clínica. Há uma confusão, não muito recente, entre amor e relação sexual. É importante ressaltar, que ambos, são diferentes, na teoria e na prática. A relação sexual é tida como algo causal, que ocorre por uma atração e um desejo de posse do objeto. Falar de amor, além de poético, é muito mais profundo e difícil do que se imagina. Nas palavras de Amaro (2006, p. 338):
“[…] Amor é o resultado de todas as funções já enumeradas: tolerância, humildade, gratidão, generosidade, noção de limites (um não a onipotência); capacidade de ser continente da criança que existe dentro de cada um etc. Sexo é um impulso biológico que induz o indivíduo a se aproximar do sexo oposto e a obter prazer (na origem animal do homem, há também raízes na perpetuação do sexo).”
Discorrendo sobre, o amor é algo potente em nós seres humanos. É ele que nos motiva na busca pelo ser amado. Saímos em busca desta aventura: o de ser amado e amar. Essa troca é o que permite a construção de um futuro que tomamos como algo bom e produtivo. Há uma queixa constante do sujeito da solidão que é o “estar sozinho”. Contudo, em certa medida, tal afirmação da crença popular, é válida. Somos seres sociais e precisamos do contato humano para nossa sobrevivência. A busca pelo objeto amado, sempre envolve uma falta. Procuramos no outro aquilo que não possuímos. É isso que nos move a buscar e se aventurar rumo ao desconhecido.
Quando nos encontramos com o objeto amado, depositamos todas as nossas expectativas sobre esta pessoa, criando um vínculo indissolúvel. Podemos dizer que em um primeiro momento, estamos entrando em contato com o lado da pessoa que esta quer mostrar. Na sua totalidade o sujeito oculta, em maior ou menor grau, seu lado que não deseja mostrar. Entretanto, é inevitável que este lado perdure oculto por muito tempo.
Com o decorrer da relação, ambos os sujeitos vão se conhecendo mutuamente. É neste momento que as dificuldades começam a surgir. As diferenças, até então desconhecidas, começam a dar seus primeiros sinais. Com isso, torna-se difícil, em muitas das vezes, suportar aquilo em que não estamos acostumados e/ou não nos parece familiar. Lidar com o que nos é estranho é sempre um desafio. É um processo lento e gradual.
As brigas são inevitáveis, e as agressões verbais começam a fazer parte deste relacionamento. As individualidades e diferenças se chocam. É nessa troca de ofensas que as mágoas, angústias, medos e inseguranças se apossam do indivíduo. Somado a isso, gritos e rompantes se fazem presentes. Neste momento o que seria evitável, acaba por se tornar o pior pesadelo. Rompem-se laços e os rancores se guardam. Em minhas reflexões, costumo afirmar, que amar alguém ou algo, é um jogo que envolve trocas mútuas. É preciso ceder em certos momentos e frear em outros. É importante que na relação às individualidades sejam preservadas.
No meio destas brigas, troca de ofensas e tudo o que mais é possível, a reconciliação é uma forma de resgatar aquilo que não era pra ser desfeito. Quando se ama, é possível perdoar. Nas palavras de Amaro (2006, p. 339) “[…] perdoar é uma das funções do amor, que pode ainda não estar desenvolvido.” O perdão é sempre o recomeço, a nova tentativa de se ajustar e reconhecer que o outro é diferente de si, e que mesmo assim você sente que precisa deste para ser e existir.
Amar é isso: suportar crises, suportar diferenças, rir juntos, brincar sempre e antes de tudo serem amigos íntimos. É reconhecer que em cada um, vive uma criança interior, que precisa de afeto, cuidado e carinho. É saber respeitar. Na sua ausência, é saber e sentir que o objeto amado nos faz falta. Segundo Amaro (2006, p. 339):
“Por isso, em uma relação a dois, para haver verdadeira intimidade, é necessário descobrir como essa estruturação foi feita, e os dois adultos em relação, com muito diálogo e muita maternagem, devem se ajudar reciprocamente a diminuir a parte imatura da personalidade de cada um.”
Se quiseres ter uma relação, é preciso estar ciente de que o relacionamento é um contrato de risco, aquele que não suportar e desistir primeiro tende ao risco de ferir o outro drasticamente. Isso não é uma visão pessimista. É apenas um dos pontos que precisamos ter cientes.
Antes de tudo, permita-se. Permita-se a amar, se apaixonar, frustrar-se e seguir em frente. Aceite encarar o relacionamento como algo prazeroso a ser usufruído ao máximo. Cuide daquilo que você tem, com responsabilidade e comprometimento. Pratique constantemente a arte de perdoar. No mais, deixe o amor circular livre. Sem isso, não existimos. Nas tentativas que se vão e vem, o amor pede passagem.
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